segunda-feira, 15 de abril de 2013



Descalça vai para a fonte



Descalça vai pera a fonte
Lianor pela verdura;
vai fermosa, e não segura.


Leva na cabeça o pote,
o testo nas mãos de prata,
cinta de fina escarlata,
sainho de chamalote;
traz a vasquinha de cote,
mais branca que a neve pura;
vai fermosa, e não segura.

Descobre a touca a garganta,
cabelos de ouro o trançado,
fita de cor de encarnado,
tão linda que o mundo espanta;
chove nela graça tanta
que dá graça à fermosura;
vai fermosa, e não segura.


            Luís de Camões

quarta-feira, 10 de abril de 2013


vai menino meu

vai, menino meu, vai. entra na densa floresta. protege as árvores e as aves, recebe a brisa que te beija o rosto, leva na algibeira todas as palavras que aprendeste e um rio entre as mãos para acudires às manhãs feridas de cansaço.
vai, menino meu, não enumeres os passos nem as estrelas que hás de calçar, uma a uma, reféns das sandálias cozidas pelo tempo. vai, coloca o olhar à tua exacta medida para domares as feras que atacam a floresta e não te deixes dominar por elas.
segue a rota dos meus poemas. lê-os, um a um, em voz alta para acordares os meninos que morrem nos campos de refugiados. segue, passo a passo, o trilho sinuoso dos meus versos, onde o sol retoma a cor dos dias e recusa pôr-se em cada fim de tarde. vai. descobre os salões das prostitutas de luxo nos casinos soberbos, sem que lhes toques na auréola do vestido. esse é o espaço dos cínicos que roubam o pão aos pais dos meninos que morrem juntos nos campos de refugiados ou o limbo onde burgueses e beatas largam o seu bafo.