terça-feira, 21 de dezembro de 2010

    Natal de 2010





     












Álvaro de Oliveira deseja para os seus amigos e leitores
uma Festa Feliz e um Novo Ano com mais Justiça social,
mais Igualdade e mais Educação, assente na  razão de pensar
que em qualquer lugar Nasce um Menino de verdade que precisa
de leite, de pão, de roupa e de carinho. Para ser um Homem livre.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Coisas do Pai Natal



Na infância, na véspera de Natal, deixava-me arrastar por uma pertinente ansiedade, até que a noite caísse, para ver o fumo sair pelas chaminés das casas. E, só aí, adivinhando a lareira acesa, tinha a percepção exacta do Natal. Chegava a hora da ceia: um fio de azeite a cair sobre antigas melodias. Depois, as rabanadas e a aletria, os figos e o vinho fino. A noite, por essas horas, dobrava-se mais quente ao convívio familiar pelas conversas longas entre sorrisos e afectos, pelas estórias contadas à lareira. Era então que me falavam dessa mítica figura do pai Natal, um velho de barbas brancas e fato vermelho que diziam subir aos telhados e entrar pelas chaminés a distribuir brinquedos pelos meninos. Era injusto esse pai Natal: dava aos filhos dos mais ricos e esquecia os filhos dos mais pobres. Confesso que nunca gostei da sua enigmática imagem. Vim a descobrir, mais tarde, que tudo em seu redor era inventado, e a estória dos brinquedos a maior das mentiras. Afinal, esse pai Natal enquadra-se muito bem no mundo em que vivemos: as coisas, nestes dias de aparente festa, inventam-se, excedem-se, alargam-se na extravagância, oferecem um ar de pura hipocrisia. Nem outra época dava tanto gozo aos patrões (pais natais do mundo ganancioso) para obrigar os governos a rever as leis laborais: Mais horas de trabalho, menos salário, despedimentos sem indemnizações e muito mais de mau que se faz e não se diz.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

outro aroma


amanhã, rente à névoa da manhã,
morrerão todos os cretinos
que hoje te proíbem de escrever
sobre o lugar onde nasceste

amanhã cairão todos os gananciosos
e os donos da hipocrisia
mais refinada do planeta
onde uma gaivota canta sobre as águas.

amanhã, no primeiro sol da manhã,
será teu o vento que te vai às mãos
com o mel e o aroma de mil laranjeiras.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Tributo ao Zeca a Afonso


Sopra o vento pelas praias do mar
Mar de mar
O poema solta-se do cárcere em voo de gaivota
Zeca:
Viemos mais cinco
A música tem o gosto colado das Astúrias
Trouxe outro amigo também. E ainda outro e mais outro…
Viemos muitos mais
O Coro dos tribunais
E, às voltas, como um andarilho
Andamos ainda, vê bem, à procura de quem pintou
este maduro Maio
Ah, mas eu vou ser como a toupeira Fura Fura
Trilharei Portugal
Rasgarei Angola e Moçambique
E se um dia voltar a nascer que seja num moliceiro
Ao teu encontro

Como galinha-do-mato
No gosto verde dos campos
O cheiro rosado das amoras…
Sorvendo-te
Inalando-te
Eu, uma cachopa. Enamorada
Toda enamorada!
Descalça das minhas tamanquinhas, o vestido no regaço
É apenas um salto entre duas rias na barquinha d’Aladim
Entre terras e muralhas, noites e alvoradas, esta mulher lá do Minho
das sete que te fadaram.
Que seja mais um poema o filho da madrugada
O poema sobre quem ainda sopra o vento
do canavial
Solta-se o tempo!
As pétalas escrevem-te na pauta dos sentidos. Estás aí
No vento que foi
Entre o sol e a lua
E na Fuzeta a noite nua. Toda nua: Achega-te a mim

Sou a tua Maruxa.
Nas azenhas a serenata proibida. És tu
Em Vilar de Mouros.
No “Cantar de Emigração” de Rosalía de Castro
E o teu nome escrito. Em Santiago
Nas vilas morenas à espera de serem Grândolas
No vento que ainda não veio
Que se cale a cabra dos doutores na hora das baladas
e canções.
E não me obriguem vir para a rua gritar:
- Venham enlaçados de mãos dadas semear o amor –
Maçaroca, milho verde nas margens deste rio que é pai
Galiza pátria.


                                         Adelaide Graça
                                         Vigo (Verbum) 21/05/2009

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

até quando?

hoje não sei o que escrever. a tarde pesa-me nos ombros, foje-me dos pés e o caminho alonga-se ante o meu olhar. agora passa por mim a madrugada, sem que eu lhe dê a mão, sem que lhe dê uma palavra sobre os milhares de homens, mulheres e crianças sem abrigo que por dentro dela passam solitários ao frio e com fome. procuro escrever e logo risco a primeira letra. quero falar e logo me remeto ao silêncio. questiono e questiono-me: valerá a pena falar de quem nos rouba? chamar ladrão a quem governa? insultar os senhores do  BCE e do FMI? excomungar os donos dos  mercados que não dão a cara? e que mais de tão mau podemos esperar destes velhos trastes? os patrões avançam: «é preciso liberalizar os despedimentos sem indemnizações. contudo, não deixo  que a revolta morra na primeira hora. então, consigo, pelo menos, chamar-lhes canalhas. vou constituindo uma frase e, agora, apercebo-me que lhe posso dar substância. se calhar hão-de roubar-nos mais... se calhar vou inventar outro pejorativo para lhes colocar na testa. ladrão sabe-me a pouco. talvez pulhas, uns reles salteadores armados em intelectuais. até quando?

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Passo a Passo


Passo a passo em Anisa faço um traço
pudesse eu segurar tal frescura
e no traço em Anisa me refaço
fazendo-me nos passos da lonjura.

Então, traçado o céu: o grande espaço
onde um passo se expõe destinatário
e quando o homem nega o próprio passo
logo esse passo é dado ao contrário.

E um passo vale tudo e vale nada
levado à medida do espaço
o espaço que se toma a cada passo.

Aí passa por mim a madrugada
depois que faço um traço em cada passo
no passo em Anisa me refaço.



domingo, 14 de novembro de 2010

A voz do silêncio

                      Adelaide Graça -  Escritora


Nem sempre solto a voz. Dizem que estou calada, muito calada. Perguntam-me: o que tens? Passa-se alguma coisa? E insistem, insistem…
Simplesmente não solto a voz. Apenas isso.
O silêncio é o bem e o mal. Instala-se na necessidade de me remeter ao fundo de mim para uma sacudidela, um esvaziamento… para me recarregar de novas sensações, de novas coisas e, até, de novas pessoas.
Não me é nada fácil lidar com realidades que, cada vez mais, me remetem ao silêncio com vontade de gritar ao mundo. Digo ao mundo, não a cada nação ou ao povo. Digo ao mundo criado com tudo a que tem direito. A que temos direito. E grito. Grito à minha maneira, à maneira do meu grito. É então que solto o grito. O grito que a voz calava. O grito sufocado. Sofrido.
Há silêncios que me movem, outros só não me paralisam, porque não o permito. Há silêncios que me devolvem vozes e rostos com a luminosidade dos afectos, outros sugar-me-iam o sangue e as vísceras, não fosse a minha inconformada identidade alertar-me do desmesurado vampirismo.
Nem sempre solto a voz. Embargasse-me pela indignação, pelo arrepiante caminho por onde querem que eu siga. Que sigamos.
Neste fundo de mim, onde me esvazio e encho, apelo ao coração, aos deuses e nem sempre à razão, que em algum canto do mundo, em algum planeta, o silêncio silenciado baste para desmascarar o aparentemente correcto, o aparentemente justo, o aparentemente solidário, o aparentemente amigo, o aparentemente feliz…
Emociona-me o silêncio prostrado dos sem-abrigo. É um silêncio quase sem corpo, mas com alma incomensurável. É a alma que os tange, é a única identidade que os desperta apesar de, a maior parte das vezes, terem o rosto sufocado entre o desgrenho da vida e os chãos de ruas e avenidas.
Cresce diariamente o número de homens e mulheres que encontram nestes chãos, nas soleiras das portas, nas entradas das igrejas, nos bancos dos jardins…o abrigo da noite e dos dias.
Cresce diariamente o número de homens e mulheres, que mergulham a cabeça e as mãos nos contentores do lixo, à procura de algum sustento, à procura deles próprios.
Cresce diariamente a fila para uma refeição quente; a mesma fila para a sopa do Sidónio evocada na exposição “Viva a República” na Cordoaria Nacional. É um bom mote para questionar: Mudam-se os tempos? Mudam-se as vontades?
Pouco mais sei do que o silêncio que sobressai daquele pedaço, daquele pequeno pedaço de chão, onde o sem-abrigo jaz cercado de carros com condutores impacientes pela luz verde do semáforo; de transeuntes todos bem, faz de conta; de cheiros a escapulirem dos restaurantes e das pastelarias onde, em esplanadas, ainda muitos se lambuzam.
Passo entre este silêncio e o meu e questiono uma infinidade de coisas: teoremas e filosofias, matérias que assoberbam a memória, sentimentos que nos azedam e corroem, bravuras que rasgaram novos mundos, a tamanha sede de poder em permanente reinação… e a desmedida perda de valores.
São estas caminhadas que me doem por dentro quando, rente a este e outros rostos sufocados pelo desgrenho da vida, o meu (nosso) interior tão ou mais sem-abrigo exala a sopa e a conduto sem negar uma nata bem portuguesa.

                                 


sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Numa composição pertinente e muito bem apurada, a partir de palavras ou frases inspiradas no sabor da leitura do livro Manto de Sombras, estes Momentos Soltos de Adelaide Graça, traduzem a evidência e o exemplo literário de como se constrói um belíssimo texto poético, como se trabalha o folguedo das palavras e, a elas, se dá cor, ritmo, harmonia e musicalidade. Parabéns!

Momentos Soltos
      
               De  Adelaide Graça

A dúvida cai. Estatela-se
agora desfeita sobre a mesa
Recordações
a pressa de chegar aonde já cheguei
e o tempo de partida sem ter partido
Depois…
uma janela aberta. Sou que entro
à passagem do vento
A noite caída
as mãos ainda derretidas de frio
um manto de sombras permanece
rompendo os dias inacessíveis
Depois o olhar caído
o rosto rente aos ciprestes e vazio
de súbito tudo tão vazio
Um manto de sombras sobre a luz
e no túmulo
um deus esquecido
Abraça-me a noite
e depois os cedros
a sombra dos ciprestes
um cheiro a murta
e o perdido gesto de uma oração
e nada mais que me prenda a um só gesto
aos passos deste andar
os abraços ainda para lá de mim
e este vento frio a gelar-me os pés
A miragem
um rio entre as mãos
e as mãos vazias
o corpo suspenso na tela
e o meu olhar vadio
No céu um fio de vento
e um corvo azul vem cair-lhe
junto das mãos
Abre-se o céu

e outro sol vem abraçar-me o rosto
um silêncio repousado e fundo
nas palavras presas
e os dedos dobrados nos olhos
O meu olhar é um voo esquecido
e o calor da sala outro silêncio
A distância já ameaça espaços
aperto contra mim os dedos das mãos
há por aí um deus ferido de memória
Respiro para seguir o rosto
e Inês à minha espera
quando o mundo já adormeceu.


             * texto lido na apresentação do romance Manto de Sombras
               Feira do livro, Vila Nova de Cerveira, 11 de Julho de 2010










quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Em Três Tempos


Houve um tempo em que me falavam de paz, de igualdade e de fraternidade. Que na terra já se assistia ao fim da infame dualidade: Senhores e Servos. Que não havia lugar para exploradores e explorados. Que nenhum homem seria Mais e nenhum outro seria Menos. E eu fiquei muito feliz. Assim se cumpria um sonho que meu avô me deixara como herança.

Hoje estou triste. Falam-me de governos que não sabem governar. Falam-me de políticos que ganham vencimentos milionários, acumulados a altíssimas reformas.  Que abundam gestores interesseiros e corruptos. Que há patrões cretinos que levam as empresas à falência. Que há assaltos à banca pelos  próprios banqueiros. E, para cúmulo, inventam um só culpado: a Crise! como se fosse coisa que nunca houvesse.

Estou triste. Enganaram-me. Falaram-me de uma terra nova; deram-me uma terra velha. Prometeram-me o Socialismo; deram-me uma ditadura: a de um feroz e selvagem capitalismo. Que herança deixarei para os meus netos?

terça-feira, 9 de novembro de 2010

domingo, 7 de novembro de 2010

Voz Insubmissa

Para quem, como ele, na vida tanto amou a liberdade e, por ela, caminhou até ao limite dos seus dias, com o olhar fixado nas coisa mais simples e mais belas em que a vida, dia a dia, se propunha a convidar, é-me grato dizer que, Artur Garibaldi, é o poeta da exigência e da renovação, revelando-se  sempre como uma voz insubmissa e consequente, a marcar elevados  rumos que assentam em parâmetros de uma escrita  solidária.
Conheci-o em Felgueiras. Um Mestre e um amigo de muitos anos e de muitos combates. Amiúde, marcávamos encontros literários. Umas vezes em Felgueiras, Santa Quitéria; outras vezes em Braga, na Brasileira. E participamos em vários debates de índole cultural, acabando por marcar presença em  algumas antologias poéticas.

Ainda me lembro de uma história passada no dia em que nós, seus  amigos, em Braga,  lhe prestamos justa e merecida homenagem. Cá fora, à porta do restaurante, ele deixou arrastar o olhar pela paisagem e segredou-me em tom baixo, assim como quem revela um segredo: «É muito bonito este lugar!» Pois é, Artur  Garibaldi estava muito longe de saber que, mais tarde, nesse lugar havia de  nascer uma rua que recebeu o seu distinto nome.
Dez anos depois de Garibaldi  se despedir deste mundo (1992), seus filhos, António Manuel e Maria Alice, deram-me a subida honra de me convidar para seleccionar e coordenar alguns dos mais belos poemas deste ilustre  poeta e jornalista, para edição em  livro, tarefa a que prontamente aderi  e pude dar o  título de Voz Insubmissa, honrando a sua memória. Aqui deixo registado um dos poemas publicados na referida obra:

Confissão

«Enquanto escrevo
Faço-o mas não para agradar a alguém
E às vezes até sou desagradável.
Algo na vida há que é miserável.
E eu vivo um sonho que escrevo e levo:
Eu amo o bem.»

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Filosofia

Odeiam-te? Deixá-lo! Segue avante
A tua rota luminosa e linda:
Irmão, quando escurece, o sol não finda,
Há-de surgir de novo no levante!...

                                   do livro    " Voz Insubmissa"



Artur Garibaldi - Poeta e jornalista
         1913 - 1992

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Quando Acordo

Acordo dum pesado sono Abro os olhos muito devagarinho e procuro concentrar-me numa réstia de luz que entra pela janela do quarto e lembro-me que sonhei Volto ao relógio São sete e meia As horas  andam apressadas neste despropósito que o tempo consome, e eu ainda sem saber qual o amanhã do meu país No entanto, sei que há milhares de portugueses com fome  Que há patrões cada vez mais ricos; que há operários cada vez mais pobres Que Bruxelas manda ou já não manda...

quinta-feira, 14 de outubro de 2010


Desenho do Mestre
Jorge Ulisse


    Saltar ás Cavalitas


    estrelas revelam um hino
    à voz do luar
    e sobre um menino
    há um outro menino a saltar

    bolinhas de areia que tem
    ás cavalitas saltar
    e do chão há uma estrela que vem
    transportando o olhar

    é lambrando o menino que digo
    saltando uma infância cheia
    traz o sonho contigo
    nas bolinhas de areia




domingo, 10 de outubro de 2010

Guitarra Romântica


Guitarra do Mestre
Jorge Ulisses
por um halo de luz
a serenidade de um cravo
visita os acordes finíssimos 
da  guitarra

e as mãos na vertical
digitam como em lágrimas
os olhos que me enlouquecem
 rendidos à solidão da noite.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

sobre o teu busto




reparo no rosto do teu busto em homenagem à minha terra e ao meu povo. e a água ainda muito longe dos teus olhos castanhos, verdes, azuis, ou pretos. Talvez castanhos como os nossos. e o cabelo? qual é a verdadeira cor do teu cabelo. talvez preto... ou já branco como o nosso. nem o perdeste quando cretinos e pulhas, durante quase 50 anos, tomaram a república de assalto. aí caminhavas com o corpo atado à roupa, num andar sempre movido por uma música estranha e clandestina. então a  pena movia-se pela mão dos poetas quando o teu nome ardia enrolado na mortalha de um cigarro que um bufo qualquer acendia no umbigo da ditadura. sinto sede. e a água ainda longe dos teus olhos, vagos e cansados de esperar. e tu, uma manta enrolada no teu corpo enquanto a vida se refaz no intervalo  de uma dança, a toque de caixa. ou a toque de banqueiros gananciosos.

domingo, 3 de outubro de 2010

Destino Branco




a  folha de papel
é o destino branco
de indomáveis penas
onde sílabas indispostas ardem

ou o fogo dos símbolos
expostos numa aguarela
de indecifráveis sonhos

somos esse caminho
percorrido de vento
em que a tinta pela água se desfaz

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Palavras ausentes


À proa de um barco um olhar de chuva
provocava silêncio num mar de palavras ausentes
e o dia desmaiava no concreto das mãos que seguravam,
à míngua, um lastro de espuma.

Era uma ilha caida num mar parado. E tudo tão parado!
Só mais tarde, um voo de açucenas tranportou
até nós o teu sorriso. E tudo se movia agora pela água.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Cadeira do  Tiago

Em  epigrafe, pode ler-se o título
que recebi  por mail, com grata felicidade,
e que me bem dispôs para o resto do dia.
Continuo a dizer: Força Tiago, foi mais uma vitória!


quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Imagens


junto da fonte
a a´gua
convida o coração

e e´ de bronze
o alecrim dos braços

um desejo
para mergulhar
no interior das tardes

terça-feira, 14 de setembro de 2010

palavras + palavras
                  


circulam as palavras 
                       repetidas
                            tangíveis
                                   vazias


e nenhuma mensagem
resta 
                     apenas o rumor
                                  inconcreto
                                             obtuso

e o perdido gesto de uma ideia
                                          segura
                                                 viva
                                                       útil

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Que outro nome




despidos dias
estes
o sol doente
                 escurecem

o homem pendurado
nas nuvens
                desmaia o cedro

passo incerto
e talvez parado

que outro nome
para tanto vazio
                desmaia o cedro









                

        

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Mãos ao Trabalho




Estou de chegada e já dou mãos ao trabalho: livros para um lado, papeis para outro, indo até à leitura do correio e  dos jornais que me caem na mesa de ofício. É então que leio um artigo no jornal Diário do Minho com o título «No Rescaldo do Incêndio no Gerês», assinado por Álvaro Oliveira. Atenção, não é de minha autoria! Tão pouco me identifico com o estilo do escrito.
Apenas um reparo: trata-se de um claro atropelo à protecção do nome literário consagrado no art. 29 dos Direitos de Autor. Assim:

« 1 - Não é permitido a utilização do nome literário, artístico ou científico susceptível de ser confundido com outro nome anteriormente usado em obra divulgada ou publicada.
3 - Ninguém pode usar em obra sua o nome de outro autor, ainda que com a autorização deste.»


Pronto, tomadas a devidas precauções para escalpelizar possíveis confusões, dou novamente mãos aos arrumos e, por fim, abro o meu blogue. Salta-me à ideia publicar um poema que registei algures em Sesimbra. Não. Como são muitas as perguntas e as mensagens sobre o raio do artigo, opto por este breve esclarecimento. Já não estou de chegada, mas de saída. Para voltar... com algo mais interessante.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Pacto com o diabo



Alguns  canais de TV portugueses dão a ideia que estabeleceram um pacto com o diabo:
Fechar as portas dos seus estúdios aos homens das Artes e das  Letras; e abrir as mesmas
a tudo quanto é vidente, cartomante, bruxa e curandeiro, numa típica aposta na anti cultura
que só favorece a estupdez. É isso que desgraçadamente temos!
Depois queixam-se que Portugal tem o mais baixo índice de leitura da Europa.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Escrevo para não morrer

Escrevo para não morrer. Habito o interior das palavras rudes e incómodas e oiço o choro da criança que segue o trilho do eléctrico para não perder o andar.

Espero os dias que enumero com os dedos até que a terra se transforme numa flor de trigo a cingir o olhar das crianças que procuram um pão. É aqui que descubro o símbolo da grande caminhada e o signo mais marcante dos meus dias: ir até ao fim da estrada com as palavras coladas aos dedos. E remeter-me ao silêncio seria exactamente igual a não estar solidário com os que sofrem a desumanização dos novos tempos.

E se descobri, um dia, ser tão indomável quanto insubmisso, e não me deixando tanger pelos gananciosos fazedores de crises e aos altamente instalados na vida, que um dia fizeram dos nossos pais escravos, a estes, pela escrira, chapo-lhes com a grandeza da teologia da libertação. É então que escrevo para não morrer.

terça-feira, 13 de julho de 2010


À Mãe
Porque todos os dias são seus



Anoitecia cedo. Uma discreta luz visitava-me no quarto com um beijo sublime ao deitar da cama. A magia de um conto nocturno, às vezes um poema lido como ninguém até agora ainda leu, ou aquelas palavras pausadas a narrar uma estória de que eu nunca chegava a ouvir o fim, ao deixar-me adormecer embalado por numa tranquilidade de planícies frescas. Antes, sentia os lábios de minha mãe pousarem-se divinalmente na minha face esquerda e a palma da sua mão a passar, levíssima, pela cabeça, num último afago de anjo. O seu perfume enchia o quarto por algumas horas e eu ficava como um pássaro aconchegado no ninho, entregue à pureza dos sonhos, a sorrir – dizia a mãe – com um ar de quem vive momentos de plena felicidade. Adivinhava ser eu passeando-me por um fragmento de sonho, naquele imenso campo, a colher flores selvagens para lhe oferecer, num ramo enfeitado de estrelas. E tantas vezes aquela santa perdia horas a contemplar a tranquilidade do meu enigmático sono e esse indecifrável sorriso! Sei que estava ali junto de mim, sentada na cadeira de embalar, e ali também ela chegava a adormecer. Depois, saía do quarto muito devagar, pé ante pé, levando o silêncio no último olhar.

Andava pelos meus três, talvez quatro anos. Era o tempo das mais ingénuas e mais pertinentes perguntas: «Mãe, porque é que as cerejas nascem aos pares?», ou assim: «Porque é que só fazemos anos uma vez por ano?» De súbito, uma ideia de colo. O mais nobre trono que todos em meninos desejamos. Mãe... e as mãos erguidas junto ao ventre à espera dos seus braços.

Trago desta infância um rol de imagens inesquecíveis. Recordo aquele campo fronteiriço à casa com giestas e flores selvagens, e o pão com geleia que minha mãe me oferecia no dia dos meus anos, o seu olhar que me falava tão fundo, aquele sorriso numa expressão de alma generosa e aquele gesto tão doce e tão imensamente terno a dar-me o pão com geleia: «hoje fazes anos, meu filho!»

Coisa rara, um pão com geleia só em dia de aniversário! E o pão não era tudo: mas o gesto, o sorriso, o olhar. Aquele olhar que falava. E o rosto? A flor mais bela de que nunca saberei dizer o nome. Mãe? Era isso. A palavra nunca gasta, incansável sempre, a sugerir ternura, a voz rente às mãos inquebráveis, sempre estendidas à oferta: a grandeza do pão, um beijo a seguir e, logo depois, a mão. É verdade, a mão: um mundo que me segurava no patamar sinuoso dos dias.

Que vida a minha! Deixou-me cedo. Sem que eu lhe retribuísse, uma vez que fosse, um dos tantos carinhos que me deu. Nem o gosto de lhe tocar, com a polpa dos meus dedos, numa daquelas rugas tão belas que trazia desenhadas no rosto. Já lá vão tantos anos. Parece que foi ontem! E, por Dezembro, no dia dos meus anos, nunca mais comi um pão com geleia. Mas ainda hoje sinto a sua mão segurando um pão na minha mão.



quinta-feira, 8 de julho de 2010

Apresentação em Cerveira


A Organização da Feira do Livro de V. N. de Cerveira e as edições Calígrafo, convidam V. Exa a estar presente na apresentação do livro Manto de Sombras de Álvaro de Oliveira, que ocorre na Biblioteca Municipal desta vila, no próximo domingo, dia 11 de Julho, pelas 18h00.

A apresentação da obra está a cargo da Escritora Adelaide Graça.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Sobre a chuva


enigmático olhar



sobre a chuva
se dispõe um lírio

e morre


          * Inventar o Olhar

sábado, 26 de junho de 2010

O meu mundo assim


 I - Os senhores do poder convidaram-me e levaram-me em luxuosos caros de visita a bibliotecas, museus, templos e monumentos do meu país. Aí pude apreciar a beleza da música, da dança, da pintura, da escultura, da literatura, do teatro e do cinema, obras de tantos artistas, homens e mulheres que contribuíram com o seu saber e a sua arte para enriquecer o meu país. Gostei.

II - Os senhores do poder mostraram-me grandes avenidas, enormes estátuas, as maiores praças e os mais faustosos palácios da cidade onde vivem os Presidentes, os Generais e os Cardeais todos do meu país. Também gostei.

III - Estava um sol radiante, e os senhores do poder quiseram que os acompanhasse à beira mar para ver uma infinidade de iates para recreio, barcos que são autênticos palacetes no mar, cruzeiros e outras embarcações de luxo para gozo de férias dos senhores do poder do meu país.

IV - Do outro lado da praia, vi outros palácios bordados a ouro e a prata e rodeados de magníficos lagos de água e majestosos jardins onde vivem os senhores do poder, os banqueiros e os bem sucedidos empresários do meu país. Até aí tudo era beleza, esplendor, luxo, exuberância e riqueza no meu país. Confesso que fiquei maravilhado.

V - Nesse dia, interroguei os senhores do poder do meu país. Assim: - Afinal, se viveis tão bem instalados, cheios de ouro e prata, e rodeados de tanta beleza e tanta maravilha, porque razão fazeis a guerra e com ela destruis centenas de cidades e milhões de seres humanos?
Logo me apercebi que os senhores do poder ficaram muito inquietos e muito irritados comigo. Paciência... era eu que desconhecia a ingenuidade ou a provocação da minha pergunta.
De seguida, pedi aos senhores do poder que me mostrassem as ruas e os bairros onde mora o povo do meu país. De repente, os guardas do poder taparam-me os olhos e esconderam-me no deserto onde não podia ver nada nem falar para ninguém. Não gostei. Contudo, penso que era eu ainda demasiado ingénuo para desconhecer a provocação do meu pedido.

VI - Quando, pela noite, os guardas do poder adormeceram, consegui fugir, e, orientado por uma estrela, fui ver as ruas e os bairros pobres onde mora o povo do meu país nas mais miseráveis e inumanas condições. Fiquei triste, muito triste.
Depois assisti a uma enorme manifestação de trabalhadores que tiveram a coragem de dizer não a uma lei que os senhores do poder legislaram e que conduz de novo os trabalhadores do meu país à condição de escravos. Foi então que vi os guardas do poder espancar violentamente os trabalhadores e os melhores filhos do povo do meu país. Aqui deixei de ser ingénuo. E revoltei-me.

VII - Por fim. chegaram os senhores do poder e ordenaram que os guardas do poder do meu país se atirassem contra mim. E aí os guardas do poder não me taparam os olhos nem me esconderam no deserto, mas roubaram-me o olhar e as palavras e prenderam-me como se eu fosse um criminoso assassino.


quarta-feira, 23 de junho de 2010

Inventar o Olhar


sentida tarde de silêncio
aquele adeus junto ao cais

nem outro olhar soubemos inventar

sexta-feira, 18 de junho de 2010

                                                
 José Saramago


Entardeceu agora mesmo:
uma flor de azul visita o lugar da água
porque antecipaste a hora da partida.

 
Não deixas sequer um rastro de silêncio:
ninguém pode calar-te
ninguém pode ignorar-te
e hão-de ter-te aqui durante séculos.





terça-feira, 15 de junho de 2010

Estranho Olhar



A Página é branca. Rumo dos meus passos:
serpentes rastejando a espessa brita.
Ás vezes são tão falsos os abraços
e tão grandes os segredos desta escrita...

Incessante a brancura: estranho olhar.
Nada mais, meu amor, que me pareça
que um verso a outro verso possa dar
à poesia um nome que enlouqueça.

Lá mais para a tarde, à mesa do jantar
guardo num verso a remendada manta
que contém as palavras de um profeta.

Poesia: essa voz que quer cantar
sai do silêncio e no silêncio canta
correndo as veias loucas de um poeta.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

São Mágoas, meu amor



É assim devagarinho e deste jeito
como quem passa a mão por sobre a lua
que seguro o teu rosto no meu peito
onde reside agora uma mágoa tua.

São mágoas que todos suportamos
todos guardamos em secreto leito
quando ao leito pela noite regressamos
e sentimos vazio o nosso peito.

Coisas nossas que a vida nos oferece
só as sentimos quando nos parece
a nossa alma banhada em solidão.

Mas há em cada dia um novo dia
um dia em que sentimos alegria
e um amigo nos abre o coração.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Arte do Ninho








Bocados de terra mole e palha seca
carrasca, urze e pontas de giesta
um bico rendilhando eternidades
e um voo paralelo a uma aresta.

É esse o ninho que o sol venera
e tudo quanto fica no olhar
mais o silêncio da arte e a breve espera
onde te deitas à noite a descansar.

Minha ave de voos íntimos e certos
que guardas o testemunho do encanto,
faz o teu ninho, acasala ao canto...

Ó ave de voos íntimos e libertos
que olhar se sobrepõe à persistência?
Essa arte que tens no bico, a paciência!

                                  * Baladas de Orvalho

                                                                

domingo, 6 de junho de 2010

Manhã Crespada

imparável este vento
a folhagem correndo o chão
e o ar e  as ruas paradas

atravesso o último olhar
e só depois as pedras
me afastam deste lugar
onde te procuro

uma manhã crespada
o chão é áspero e ainda o vento
e outra vez as pedras

sei do silêncio e no silêncio grito
não desisto de te procurar

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Trocadilho de Graça

o corpo da graça
exposto na praça
               à espera do dia

amor em redor
era o meu amor
              que ali aparecia

vi a minha graça
despida na praça
             eu enlouquecia

tomei-a de graça
e fizemos amor
             no meio da praça

até vir o dia

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Voo

Habito esta incerteza:
o lugar exacto
para o resgate das mãos

E, contudo, permaneço
rompendo os dias inacessíveis

Hoje talvez me demore
vou partir com as aves.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Um pouco mais... Um pouquinho mais!















Convidado a visitar a escola Secundária de Maximinos, Braga,
no âmbito da aproximação  Escritor /  Alunos,
deram-me a honra de entregar, ao grande campeão Tiago Dias,
um envelope contendo 300.00 euros. Era o produto da venda
dos 30 exemplares do Manto de Sombras que ofereci na campanha
para a compra de uma cadeira mais confortável para o Tiago.
Foi um dos momentos mais comoventes da minha vida. Valeu a pena!

Cumprimentei o Tiago. Somos amigos. Ele ofereceu-nos um sorriso.
O seu professor, António José Braga, segredou-me que, na véspera,
o Tiago arrancara um  3º lugar, na modalidade de boccia. Muito Bom!

Mas o nosso atleta ainda não tem a cadeira. Falta pouco...
Ainda espera pela  tua participação! E tu que esperas?!!!

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Transfigurações

nos braços de uma toalha
repousa uma guitarra antiga

e há flores bordadas
leves penas  cordas  a cor do mel
borboletas loucas

e além onde o sol se despede
a voz de um deus qualquer
convoca a polpa dos meus dedos


Instrumento Musical, meados do séc. XIX
               Madeira e Marfim
      Mestre Jorge Ulisses - 1994.